quinta-feira, abril 11, 2024

Manoel de Barcellos Domingues (1627-1705) Livro: 350 Anos de Bangu

Em um tempo mais remoto que a criação da Diocese do Rio de Janeiro, existiu no velho Oeste da cidade uma capela dedicada à Nossa Senhora do Desterro. Dela, são poucas as histórias que chegaram até os dias de hoje; poucos os memorialistas que reservaram algunas frases em seus antigos e corrídos manuscritos sobre os anos em que esse templo foi enobrecido com o título de Capela Matriz. O que eles não sabiam era que seus raros registros impediriam que a história se tornasse mito e que a lenda se perdesse através dos séculos.

É bem verdade que essas memórias permaneceram adormecidas e não foram muitos os que se dedicaram a procurá-las. Entre os desbravadores dessa lendária capela matriz - e seu benfeitor - podemos mencionar nomes como Vieira Fazenda, José de Nazareth de Souza Fróes e André Luiz Mansur. Através dos labirintos das fontes, eles buscaram trazer à população os primórdios do antigo "Campo Grande".

Podemos dizer que toda essa história começou no dia 29 de dezembro de 1627, quando uma criança de nome Manoel foi levada à pia batismal da Freguesia da Sé por seus pais, Bartholomeu  Machado e Jerônima Machado, para ser batizada pelo padre Francisco Gomes da Rocha. O nome completo desta criança? Manoel de Barcellos Domingues: o homem que - segundo Monsenhor Pizarro - fundou a "ermida sita em Bangu, dedicada ao Desterro da Virgem Mãe de Deus".

Não são muitas as informações que resistiram ao tempo e se encontram disponíveis sobre a infância e juventude do capitão Manoel de Barcellos Domingues. Mas o que alguns apontamento primários nos trouxeram foi que, a partir da segunda metade do século XVII, ele já poderia ser encontrado nas terras semi-ermas existentes entre os maciços do Gericinó e da Pedra Branca.

Manoel casou-se com Catarina da Silva, filha de Antônio Vaz Viçoso, um dos maiores proprietários nestas paragens. O casamento ocorreu em data anterior ao ano de 1654.

Na década de 1670, era o próprio Barcellos quem já negociava no Campo Grande. Possuindo algumas terras, participava de acordos comerciais e seu nome figurava nas escrituras da região. Segundo afirmou José Nazareth Fróes, Barcellos Domingues teve grande protagonismo no processo de medição e partilha das três "meias-léguas" do Gericinó, que pertenceram ao seu sogro.

Em uma época anterior, Manoel de Barcellos Domingues escolheu uma das suas terras para construir o seu engenho no Campo Grande, o qual chamou de Engenho de Nossa Senhora do Desterro.

Por mais que neste período o nome "Bangu" ainda não aparecesse noa registros do Rio de Janeiro, podemos afirmar (tendo como base diversos documentos primários do século XVIII) que a região no qual o capitão decidiu construir o seu engenho foi exatamente o local em que hoje se encontra o bairro de Bangu.

Nós tinhamos a rua Ferrer, que era uma espécie de sala de visitas do bairro. As pessoas chegavam a Bangu e achavam aquilo muito bonitinho, tipo de rua inglesa que tinha uma porção de casas todas de tijolinhos aparentes, que tinha um pé de oiti em frente a cada casa, que tinha um canteiro central com tamarindeiros e lampiões, que tinha uma praça, que tinha uma igreja, que tinha um coreto, que tinha um clube, que tinha um campo de futebol, que tinha dois cinemas, que tinha vida. Depois o bairro inteiro cresceu, sofreu muitas modificações e com a evolução a poesia teve que ceder lugar ao progresso. Depoimento: Vivi (Manoel Rodrigues de Moura)

Nas terras desta fazenda, Barcellos Domingues mandou que se construísse a Capela de Nossa Senhora do Desterro, título homônimo ao seu engenho de açúcar.

Ao ver as paredes de sua igreja sendo levantadas, ele certamente não imaginou que estava dando início auma história que ecoaria por séculos e ultrapassaria as barreiras daquele vale. Vale este que, por vezes, seria registrado como um lugar florido, inspirador e radiante; mas, por outras, fora revestido de nuvens densas e sombrias.

É necessário ressaltar que as ditas terras do Campo Grande abrangiam todo o território compreendido entre os atuais limites dos bairros de Realengo e Paciência. Essas regiões ficavam sob a jurisdição da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá.

Isto até o ano de 1673, quando a capela erigida por Barcellos Domingues foi elevada a condição de "curada" (passando a ter um padre próprio, um cura) e recebeu as honras de Matriz do Campo Grande. Desta forma, desmembrou-se o seu território da freguesia de Irajá.

Após este acontecimento, grande parte da região que hoje abriga o bairro de Bangu tornou-se uma espécie de capital do Campo Grande. Por este motivo, o ano em que este fato ocorreu - 1673 - foi reconhecido no decreto-lei 5.146, de 7 de janeiro de 2010, como o "ano de fundação" do bairro de Bangu. Em 2023, completaram-se 350 anos.

Para nos aproximarmos ainda mais deste marco histórico, vasculhamos o Arquivo da Cúria do Rio de Janeiro em busca de novas evidências para elucidarmos estas antigas histórias. Em um andar subterrâneo da Catedral Metropolitana estão guardados alguns registros de grande valor para os primórdios do bairro. Sendo um destes documentos contemporâneos à construção da Capela Matriz do Desterro, ajudou-nos a confirmar informações que por muito tempo tiveram a sua veracidade questionada, como a própria existência do capitão Barcellos Domingues ou que este tivesse sido o benfeitor que mandou erigir o templo. Trata-se do relatório da visita pastoral realizada no ano de 1687. Nesse documento, foram registradas as seguintes memórias:

"É a 13º capela curada [a] de Nossa Senhora do Desterro, em que vive por cura ao presente o padre Domingos da Silva e é padroeiro [benfeitor] o capitão Manoel de Barcellos Domingues. Tem no seu distrito 70 fogos, nos quais se acham 313 pessoas de comunhão".

Há mais de 50 anos, pesquisadores buscam encontrar o local exato onde fora construído este templo. Mas a ausência de fontes que pudessem, ao menos, prover algum indício de sua localização comprometeu de forma grave essa iniciativa. A única informação que tinhamos havia sido encontrada num relatório redigido por um sacerdote que esteve em Bangu em 1794 e foi testemunha ocular da arruinada capela: Monsenhor Pizarro. Logo no primeiro parágrafo das suas memórias, ele registrou a seguinte frase: "em meio do campo da fazenda intitulada Bangu, foi erigida a Capela de Nossa Senhora do Desterro". Porém, um repórter do Jornal do Brasil que esteve em Bangu por ocasião da inauguração da Igreja de São Sebastião e Santa Cecília em 1910 decidiu entrevistar alguns moradores, indagando-os sobre as antigas histórias desse bairro, e elevou nosso repositório de informações. Esse relato nos permitiu chegar ainda mais próximos da localização provável daquela histórica construção. Dentre as várias informações trazidas nesse artigo, deparamos com o seguinte texto:

"Muito embora só agora se inaugurasse a Igreja Matriz dessa localidade, ela não deixa de ter a sua história religiosa que monta a era bem remotas, como se verá do que vai dito em seguida: Bangu já foi a sede da freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, como se verá na citação abaixo: instituída esta freguesia em 1673 à custa do território desmembrado da freguesia de Irajá, colocou-se a pia na ermida da Nossa Senhora do Desterro em Bangu, fundada no meio de um campo (um campo vasto donde a denominação Campo Grande), por Manoel Barcellos Domingues, um dos primeiros moradores desse ditrito. O local da antiga Matriz de Nossa Senhora do Desterro, dizem os antigos, é o que atualmente se acha ocupado pela casa da família do falecido Ernesto Frambach"

Após encontrarmos este relato, saímos em busca da localização da casa da "família do sr. Ernesto Frambach" no ano de 1910. Foram dois os registros que nos deram um parecer sobre a sua localização. O primeiro nos trouxe a informação de que , em 1906, Ernesto Frambach morava no número '5 da rua Bangu; já o segundo, uma nota de jornal do ano de 1921, diz que - mesmo tendo falecido em 1909 - ele ainda possuía um imóvel na rua Bangu, no número 93.

Pela numeração relatada e pelo seu logradouro, estes registros nos permitem sugerir que a antiga Capela do Desterro possa ter sido construída em algum lugar da atual Rua Bangu, nas proximidades do cruzamento com a Rua Oliveira Ribeiro.

Esta variação na numeração, entre a primeira e a terceira décadado século passado, pode não caracterizar uma mudança de residência, mas apenas uma possível atualização no numeral do cadastro dos imóveis da Rua Bangu. Pois, na primeira década do século passado, a residência de número 22 era a casa de maior número neste rua; já na década de 1910, encontramos imóveis com numerações muito mais altas neste mesmo logradouro.

Uma foto rara da Estrada do Retiro, atual Av. Ministro Ary Franco, Bangu, RJ. Anos 1940. Histórias de Bangu Através de Fotografias. Rogerio Melo.

Como esta teoria está baseada em uma fonte oral e não temos como localizar com exatidão, este estudo trará apenas uma suposição do local que abrigava a lendária igreja do Desterro em terras de Bangu. Até este momento, o que podemos assegurar é que ela ficava "em meio da campo da Fazenda intitulada Bangu" e que este lugar possa vir a ter ficado nas redondezas do cruzamento da Rua Bangu com a Oliveira Ribeiro.

Diferente do que poderíamos supor, esta capela não era uma pequenina construção feita de madeira. Ao contrário, tratava-se de um templo feito de pedra e cal, que possuía a sua torre com seus sinos, uma capela-mor de oito metros de comprimento e seis de largura, com as imagens da Sagrada Família no Desterro, em madeira. Havia também dois altares laterais, uma sacristia, um belo sacrário de jacarandá forrado de damasco encarnado e uma pia batismal de pedra. As dimensões totais dessa matriz eram de, aproximadamente, 24 metros de comprimento por 13 metros de largura. 

Não foi só pela capela matriz que o capitão Barcellos Domingues ficou conhecido. Em 1681, fez uma escritura de obrigação ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro oferecendo 200$000 (duzentos mil-réis) caso o rei autorizasse a construção do primeiro convento de freiras na cidade. Como forma de garantir o cumprimento da sua palavra, hipotecou as terras que possuía no Campo Grande.

Barcellos Domigues dividia sua atenção entre o engenho e a vida mais movimentada na cidade. Além de possuir algumas propriedades na região central do Rio de Janeiro, era irmão da Ordem Terceira do Carmo.

Este cotidiano ocorreu até 1688, quando sua esposa faleceu. A partir de então, encontramos indícios de que o capitão tenha iniciado um processo  de afastamento da freguesia do Campo Grande, podendo ter passado a morar em definitivo na cidade ou ter se estabelecido na freguesia de Guaratiba.

Do casamento com Catarina da Silva, Manoel teve apenas um filho: Marcelo da Silva Machado. Foi para ele que o capitão decidiu passar seu engenho nas terras que, anos depois, constituiriam a Fazenda Bangu. Da escritura original, lavrada em 28 de outubro de 1691, consta que o capitão Manoel de Barcellos Domingues passou a administração do seu engenho para Marcelo e que este deveria prestar contas ao seu pai ao final de cada safra. Manoel ainda receberia anualmente a quantia de 80 mil-réis para “seu sustento e se poder alimentar”.

Estima-se que Marcelo nascera por volta de 1660 e que já era licenciado, maior e emancipado quando assumiu a administração do engenho. Cinco anos após se tornar o senhor desta propriedade, casou-se com Bárbara Barreto de Brito, na própria freguesia do Campo Grande.

Logo que recebeu o engenho, Marcelo começou a aparecer nos registros dos cartórios do Rio de Janeiro solicitando empréstimo e hipotecando o Engenho de Nossa Senhora do Desterro com garantia dos pagamentos das suas dívidas.

O genealogista Francisco Klors Werneck informou, em 1947, que encontrou, nos antigos registros da freguesia de Guaratiba, a informação de que o capitão teve mais uma descendente além do licenciado Marcelo Machado. Seu nome era Antônia Barcellos Machado.

É provável que tenha nascido após o falecimento de sua esposa legítima Catarina da Silva, pois Barcellos não se casou com a mãe de Antônia, Esperança da Fonseca - que, no acento mencionado por Klors Werneck, fora citada como “mulher solteira”.

Barcellos Domingos faleceu em 18 de novembro de 1705. Em seu registro de óbito, podemos encontrar o incomum apontamento de que morreu “acidentalmente”. Os detalhes do derradeiro acidente que pôs um ponto final  à vida de um dos nomes mais conhecidos do antigo Oeste fluminense foram lamentavelmente omitidos em seu registro fúnebre e permanecem ocultos. Talvez tenha caído ao subir em seu cavalo, quem sabe sofrido um grave acidente em seu engenho, ou mesmo sido atropelado por uma carroça numa das ruas da cidade. Fato é que o capitão já havia completado 78 anos e não possuía a vitalidade de um jovem.

Como já sentia o peso do avançar dos anos, havia deixado um testamento pronto desde 1694. Neste documento, declarou que pertencia à Ordem Terceira do Carmo e mandou que seu corpo fosse “amortalhado no hábito de Nossa Senhora do Carmo”. Ordenou também que se rezassem mil missas pela sua alma, sendo que cinquenta delas deveriam ser ditas pelo “sacerdote que no tempo de sua morte fosse capelão curado na igreja de Nossa Senhora do Desterro na fazenda que vendeu a seu filho”.

Não encontramos o nome de Antônia Barcellos Machado em seu testamento. Pode ser que isso tenha ocorrido por ela ter nascido após a redação deste documento; ou pelo capitão não ter se casado com Esperança da Fonseca e, consequentemente, sua filha ser considerada bastarda, ou “natural” - ou seja, fora de um casamento legítimo.

Mesmo após o falecimento do capitão Barcellos Domingues, seu filho permaneceu contraindo diversos empréstimos e colocando como garantia o Engenho de Nossa Senhora do Desterro no Campo Grande. A partir de 1713, a propriedade não mais aparece nos registros oficiais.

Recentemente, encontramos no testamento de Bárbara Barreto, esposa de Marcelo, uma citação que aumentou significativamente a hipótese deste engenho ter sido leiloado devido ao não pagamento das dívidas.

De uma forma ou de outra, a história da família do lendário Manoel de Barcellos Domingues foi se encerrando em nosso território. Com o tempo, a sua capela, aurora matriz de todo o Campo Grande, também desapareceu do cotidiano banguense e hoje suas fundações jazem em algum lugar da região central do bairro. Por mais distante que esta história possa estar de nós, é importante refletirmos que, há 350 anos, o território de Bangu já exercia o seu protagonismo. E que, um dia, um dia, este bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro foi a capital do Campo Grande: local de convergência de toda a população destes sertões suburbanos.

Texto de Paulo Vitor Braga da Silva

Bibliografia Consultada:
Bangu 350 Anos: a história do bairro contada pela vida de seus personagens / Grêmio Literário José Mauro de Vasconcelos. - Rio de Janeiro, RJ: Museu de Bangu, 2023.

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domingo, abril 07, 2024

Mapa do Districto Federal 1911. Cidade do Rio de Janeiro. Por Olavo Freire

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Mapa do Districto Federal 1911 Olavo Freire, Organizado de accordo com os mais valiosos estudos chorographicos e topographicos. Escala_1:71.000. O mapa é da época em que a cidade do Rio de Janeiro era o Distrito Federal, capital do Brasil. O mesmo destaca bairros importantes, como Bangu, Barra de Guaratiba, Realengo, Santíssimo e Campo Grande. Apresentando inúmeros detalhes da produção agrícola e pecuária de todas as regiões da cidade.

FONTE DE CONSULTA:
https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/270181?locale-attribute=en   (Acesso em: 07 de abril. 2024) 

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sexta-feira, abril 05, 2024

Cemitério de Santa Cruz

Um dos cemitérios mais antigos do Rio de Janeiro, com mais de cem anos de existência, localizado na Rua da Verdade, s/n˚, o Cemitério de Santa Cruz faz parte da história do bairro e da memória coletiva, através dos velórios de pessoas ilustres que arrastavam multidões, e até mesmo por vínculo afetivo, por abrigar nossos familiares e antepassados.

No Dia de Finados, o campo santo atrai muito movimento para a região e para o comércio de flores local em seu entorno. Gente que vem de toda a cidade para prestar suas homenagens nas missas realizadas no cemitério, principalmente pelos indigentes, realizada todo ano por Dom Orani Tempesta. 

Rezam as lendas (que formam o imaginário popular santa-cruzense) que há pessoas que veem fantasmas descendo pelo morro do cemitério, ou que, ao passarem pelas imediações durante a noite, escutam sons e risadas em seu entorno, porém nada se comprovou até hoje.

No ano de 2023, com o intuito de preservar a história e memória presente neste espaço, os integrantes do Museu Casa Augusta Candiani realizaram o 1º Necrotour, um passeio aberto ao público em geral mostrando todo o legado, a arquitetura e os principais túmulos de personalidades ali sepultadas, como a família Cesário de Melo, o padre Guilherme Decaminada, o Sr. Felipe Cardoso, o ator André Villon e sua esposa Elza Gomes, e a própria Augusta Candiani.

O cemitério é um espaço de importância, que compõe a paisagem da região, instalado em um ponto de relativa altitude do bairro, que é facilmente avistado de diversos locais do território de Santa Cruz.

Atualmente em 2023 ele funciona durante todos os dias da semana, das 8h às 17h, e oferece os serviços de velório e sepultamento, sem cremação, e está sendo gerido pela concessionária Reviver.

Texto por Thamires Siqueira

REFERÊNCIAS

CEMITÉRIO DE SANTA CRUZ. Home, 2023. Disponível em: https://www.cemiteriodesantacruz.com.br/. Acesso em: 25 jul. 2023.

NECROTOUR no Cemitério de Santa Cruz. Saiba História, [2023]. Disponível em: https://saibahistoria.blogspot.com/2023/06/necrotour-no-cemiterio-de-santa-cruz.html. Acesso em: 25 jul. 2023.

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